opinião- por Moysés Bendahan – Presidente do IBCTD
As instituições de defesa do consumidor sem fins lucrativos desempenham um papel essencial na promoção da justiça social, da equidade e da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos frente às relações de consumo, especialmente no que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), essas organizações passaram a atuar também na defesa dos direitos dos titulares de dados pessoais, especialmente em situações de exposição indevida, vazamentos e uso abusivo de informações. Vale destacar que, em muitos momentos, as duas leis funcionam em conjunto.
Este artigo discute a importância dessas instituições para a sociedade brasileira, analisa os principais obstáculos no acesso a recursos e propõe caminhos para o fortalecimento de sua sustentabilidade financeira.
O Papel Social das Instituições de Defesa do Consumidor e dos Titulares de Dados
O fortalecimento da cidadania e da justiça social passa, necessariamente, pela efetivação dos direitos do consumidor e pela proteção de dados pessoais. No Brasil, apesar de avanços legais expressivos, como a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, chamada Código de Defesa do Consumidor (CDC), muitas violações ainda persistem, exigindo a atuação de organizações independentes.
A partir da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018), um novo campo de atuação se abriu: a proteção dos titulares de dados. Em muitos casos, essa proteção é considerada parte indissociável da defesa do consumidor e é tratada como um direito fundamental pelo artigo 5º da Constituição Federal desde fevereiro de 2022, como já era a defesa do consumidor desde 1988.
Nesse contexto, as instituições civis sem fins lucrativos surgem como instrumentos fundamentais não apenas na mediação de conflitos de consumo, mas também na fiscalização do uso responsável de dados pessoais, na defesa dos consumidores, enfrentando práticas abusivas no tratamento de informações por parte de empresas e até mesmo de órgãos públicos.
Funções Principais das Instituições de Defesa do Consumidor e dos Titulares de Dados
As instituições civis sem fins lucrativos voltadas à defesa do consumidor e à proteção de dados pessoais exercem funções fundamentais, como:
- Educação para o consumo consciente e seguro;
- Atendimento gratuito a consumidores e titulares de dados;
- Fiscalização cidadã de práticas comerciais e digitais abusivas;
- Propositura de ações civis públicas coletivas, envolvendo tanto relações de consumo quanto violações de privacidade e dados;
- Atuação contra vazamentos, coletas ilegais de dados e discriminações algorítmicas..Difundir e participar da recém criada Lei do superendividamento
- Difundir e participar da recém criada Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021 também conhecida como Lei do superendividamento, que altera o Código de Defesa do Consumidor (CDC) art 54-A e 104-A
Com a LGPD, essas organizações passaram a ter também a função de auxiliar a sociedade na compreensão e exigência de seus direitos enquanto titulares de dados pessoais, ampliando ainda mais seu escopo e relevância.
Dificuldades na Captação de Recursos
Apesar da crescente importância, essas instituições enfrentam grandes obstáculos em garantir sua sustentabilidade financeira. Entre os principais desafios estão:
1. Baixa prioridade nas políticas públicas
A defesa do consumidor e dos dados pessoais ainda é tratada com baixa prioridade em políticas orçamentárias. Poucos fundos ou editais reconhecem essas frentes como essenciais ao bem-estar coletivo, e algumas instituições correm o risco de interromper suas atividades devido à falta de verbas.
2. Desinteresse ou receio da iniciativa privada
Empresas relutam em apoiar entidades que fiscalizam seus próprios comportamentos em práticas de consumo e tratamento de dados. Isso reduz a possibilidade de patrocínio direto, uma vez que as instituições são muitas vezes tratadas como “inimigas”, quando deveriam ser vistas como aliadas na fidelização do consumidor e na redução da judicialização.
3. Alta complexidade jurídica e técnica
A atuação com dados pessoais exige profissionais especializados em direito digital, tecnologia e segurança da informação, o que demanda recursos financeiros elevados, os quais não estão frequentemente disponíveis para essas instituições.
4. Burocracia institucional
A dificuldade em cumprir exigências legais e manter estruturas contábeis compatíveis com os requisitos de editais públicos dificulta o acesso a fontes de financiamento, mesmo quando há disposição institucional para apoiar tais causas.
5. Impacto da Falta de Recursos na Proteção dos Consumidores e Titulares de Dados
A ausência de financiamento adequado resulta em:
- Redução da capacidade de resposta a demandas da população;
- Inexistência de canais eficazes de denúncia e orientação sobre dados pessoais;
- Ausência de estudos e monitoramento sobre violações massivas de dados;
- Vulnerabilidade da população diante de abusos tecnológicos, como marketing invasivo, uso discriminatório de algoritmos, vazamentos de informações sensíveis e falta de transparência em políticas de privacidade.
Sem essas instituições, muitos consumidores e titulares de dados não têm condições de enfrentar juridicamente grandes corporações ou exigir responsabilização digital.
Caminhos para o Fortalecimento Institucional
Para que as instituições de defesa do consumidor e dos titulares de dados possam cumprir sua missão, é necessário:
- Incluir a proteção de dados em políticas de defesa do consumidor, com financiamento público específico e de acesso mais facilitado.
- Criar incentivos legais e fiscais para empresas que apoiem instituições do setor com cláusulas de governança e independência.
- Estabelecer parcerias técnicas com universidades, centros de pesquisa e grandes empresas para suprir lacunas de conhecimento.
- Ampliar a atuação em redes, fortalecendo a articulação com defensorias públicas, ministérios públicos, Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON).
Considerações Finais
As instituições sem fins lucrativos de defesa do consumidor e dos titulares de dados desempenham um papel fundamental em garantir que os direitos previstos em lei sejam, de fato, assegurados na prática. A atuação dessas organizações vai além da orientação individual, promovendo mudanças estruturais, conscientização coletiva, fiscalização social e educação para um consumo responsável e consciente. Contudo, sem financiamento adequado, seu impacto é severamente limitado.
O Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil devem reconhecer e apoiar essas entidades como pilares essenciais da democracia, da equidade e da proteção digital dos cidadãos. Por todos os fatos aqui descritos, é hora de mudar a ótica e o reconhecimento dessas importantes organizações para que elas continuem existindo e servindo à população.
Referências :
- BRASIL. Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor.
- BRASIL. Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
- DONEDA, D. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
- INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Relatório de Atividades 2022.
- CUNHA, M. P. et al. Governança de dados no Brasil: desafios e oportunidades. Revista de Políticas Públicas Digitais, v. 7, n. 2, 2023.